“Eu achei que ia viver o maior amor da minha vida…” — o silêncio da depressão perinatal e como reconhecer os sinais
Descubra o que é a depressão perinatal, quais são os sintomas, os riscos para a saúde da mulher e do bebê, e os tratamentos possíveis. Um artigo completo com linguagem sensível, humana e acolhedora.
SAÚDE MENTAL MATERNA
Clarissa Erthal - Psicóloga Perinatal
4/15/20255 min read


"Eu achei que ia viver o maior amor da minha vida, mas tudo o que consigo sentir é culpa. Eu achei que ia me sentir plena, mas o que existe dentro de mim é um grande vazio.”
Essa foi a primeira coisa que ela me disse quando se sentou na cadeira do consultório, com o bebê no colo, a voz baixa e os olhos fundos de quem não dorme, mas também não sonha. Era sua terceira sessão de psicoterapia, e naquele dia ela finalmente teve coragem de verbalizar o que sentia.
E eu, do outro lado, já sabia. Sabia porque vejo essa dor com frequência. Sabia porque esse tipo de relato, embora pareça assustador, é mais comum do que a gente imagina. Sabia porque essa fala tem nome — Depressão Perinatal — e precisa ser reconhecida, tratada e, acima de tudo, acolhida.
O que é depressão perinatal?
O termo mais comum ainda é “depressão pós-parto”, mas a verdade é que essa dor muitas vezes começa muito antes do bebê nascer. Por isso, hoje falamos em depressão perinatal — o termo técnico que abrange tanto a gestação quanto o puerpério.
Trata-se de um transtorno do humor que pode surgir a qualquer momento durante a gravidez ou nos meses que se seguem ao parto. Ao contrário do “baby blues” — um fenômeno passageiro, causado pela queda hormonal nos primeiros dias após o parto —, a depressão perinatal é profunda, persistente e debilitante. Não melhora sozinha. E muitas vezes, não parece uma tristeza intensa, mas sim um vazio silencioso.
Ela pode se manifestar como exaustão extrema, insônia, sentimento de fracasso, irritabilidade, apatia, pensamentos negativos, crises de choro... mas talvez o sintoma mais cruel seja aquele que raramente se fala em voz alta:
a dificuldade de se conectar com o próprio bebê.
“Eu olho para o meu filho e não sinto nada.”
Essa é outra fala que já escutei — e que quebra o coração de qualquer profissional. Não porque a mulher está "errada", mas porque ela está sofrendo profundamente e se culpando por isso.
A mulher com depressão perinatal muitas vezes se sente incapaz de maternar. Às vezes, ela não quer. Outras vezes, até quer — mas simplesmente não consegue. Esse distanciamento emocional afeta diretamente o vínculo com o bebê e pode ter consequências no seu desenvolvimento afetivo, na construção da confiança e da linguagem emocional.
E quando esse vínculo precoce é fragilizado, não significa que o amor não existe — significa que a dor ficou tão grande que não sobrou espaço pra mais nada.
Quais são os principais sintomas da depressão perinatal?
Tristeza profunda ou sensação de vazio
Cansaço extremo
Dificuldade para dormir (mesmo com o bebê dormindo)
Sentimento de culpa ou inadequação
Falta de interesse por atividades antes prazerosas
Dificuldade de se vincular ao bebê
Ansiedade intensa
Pensamentos negativos sobre si mesma ou o bebê
Apatia, irritabilidade ou crises de choro
Pensamentos de morte ou suicídio
Esses sintomas podem variar em intensidade, mas quando duram mais de duas semanas e impactam o cotidiano, é hora de procurar ajuda profissional.
Quem tem mais risco de desenvolver depressão perinatal?
Alguns fatores aumentam a vulnerabilidade:
Histórico de depressão, ansiedade ou transtorno bipolar
Vivências traumáticas anteriores (violência, abuso, luto)
Parto difícil ou diferente do planejado
Falta de rede de apoio
Relações familiares conflituosas
Isolamento social
Gestação não planejada
Perfeccionismo ou idealização excessiva da maternidade
Mas o ponto mais importante é: a depressão perinatal pode acontecer com qualquer mulher. Mesmo aquelas que desejaram muito a gestação, que têm um bebê saudável e uma família presente. O sofrimento psíquico não escolhe por lógica — ele escolhe por brechas emocionais.
Ansiedade perinatal: o quadro que quase ninguém percebe
Existe um tipo de sofrimento materno ainda menos falado: a ansiedade perinatal. Às vezes, ela caminha junto da depressão. Outras vezes, aparece sozinha.
Ela se manifesta por uma constante sensação de alerta, pensamentos repetitivos e catastróficos, medo exagerado de que algo aconteça ao bebê, e sintomas físicos como taquicardia, tensão muscular e dificuldade para relaxar. A mulher com ansiedade perinatal muitas vezes está “funcionando” — cuidando do bebê, mantendo a casa, amamentando. Mas por dentro, ela está em estado de colapso.
Diagnóstico precoce: um divisor de águas
Quanto mais cedo a depressão perinatal for identificada, maiores as chances de recuperação.
Por isso, o acompanhamento psicológico durante o pré-natal — conhecido como pré-natal psicológico — é uma ferramenta poderosa. Ele prepara emocionalmente a mulher, identifica vulnerabilidades e cria um espaço seguro de escuta.
E o tratamento? Existe saída?
Sim. E o tratamento funciona. A depressão perinatal tem cura.
A psicoterapia é o primeiro passo e pode ser suficiente em quadros leves a moderados. Abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Terapia Interpessoal ou psicodinâmica são amplamente eficazes.
Nos casos moderados a graves, o uso de medicação pode ser necessário — e há medicamentos seguros para uso durante a amamentação. Com o acompanhamento adequado de um psiquiatra especializado em saúde mental perinatal, é possível equilibrar os riscos e benefícios com responsabilidade.
Terapias complementares como yoga, meditação, aromaterapia e acupuntura também podem ajudar a reduzir sintomas de ansiedade, melhorar o sono e contribuir com o bem-estar. Mas não devem substituir os tratamentos clínicos indicados.
O impacto no bebê e a importância do cuidado integral
A saúde mental materna não é apenas sobre a mulher — ela é um dos pilares do desenvolvimento infantil.
Bebês de mães com depressão não tratada tendem a apresentar menos contato visual, menor responsividade, atraso na linguagem e, em alguns casos, maior risco de desenvolver transtornos emocionais.
Mas isso não precisa ser uma sentença. Quando a mãe recebe o cuidado que precisa, o vínculo pode ser restaurado, o desenvolvimento pode se fortalecer, e a maternidade pode ser ressignificada.
A boa notícia: agora é lei.
É reconfortante saber que essa pauta começa a ser reconhecida também no âmbito das políticas públicas. A Lei nº 14.721/2023 foi sancionada para garantir assistência psicológica a gestantes e puérperas no sistema público de saúde, além de promover ações educativas sobre saúde mental materna.
Outro avanço importante é a criação da Semana Nacional da Saúde Mental Materna, que amplia a conscientização e o acesso à informação.
Essas leis não resolvem tudo, mas representam um passo essencial: o reconhecimento institucional de que saúde mental também faz parte do pré-natal e do pós-parto. E que a escuta qualificada, o acolhimento e o cuidado emocional não são opcionais — são estruturantes.
Conclusão: uma maternidade possível, não perfeita
A maternidade não precisa ser um lugar de dor solitária.
Ela pode — e deve — ser sustentada por cuidado, apoio, verdade e espaço para as emoções reais.
Se você é mãe e está sentindo algo diferente do que esperava, se a culpa tem falado mais alto do que o amor, ou se a exaustão tem apagado seus dias: você não está sozinha. E você merece ser cuidada.
A maternidade não precisa ser perfeita.
Ela só precisa ser possível.
Humana. Sustentada. E, acima de tudo, escutada.
💡 Gostou desse conteúdo? Compartilhe com outras mulheres. Salve este artigo. E se quiser conversar mais sobre saúde mental na gestação e no puerpério, me acompanhe no Instagram: @clarissaerthal